quarta-feira, 15 de julho de 2015

PAPA FRANCISCO: ZELOSO CUIDADOR DA CASA COMUM

CUIDADO COM A
MÃE TERRA
Este dado nos coloca a questão de nossa sobrevivência coletiva. Temos que mudar se quisermos evitar o abismo


por Leonardo Boff

Tempos atrás escrevemos que o Papa Francisco por causa do patrono que lhe inspirou o nome – Francisco de Assis –teria tudo para ser o grande promotor de uma proposta ecológica mundial. Devia ser ele, pois, lamentavelmente  faltam-nos líderes com autoridade e com palavras e gestos convincentes que despertem a humanidade, especialmente, as elites dirigentes,  para as ameaças que afetam o destino comum da Terra e da Humanidade  e para a responsabilidade coletiva e diferenciada de salvaguardá-lo para todos.

Eis que este desiderato se realizou plenamente com a publicação da encíclica “Laudato si’: cuidar da Casa Comum”. Oferece-nos um texto de grande amplitude – a ecologia integral - de rara beleza intelectual e espiritual, unindo o que era tão caro a São Francisco de Assis e também a Francisco de Roma: o comportamento de cuidado para com a irmã e mãe Terra e um amor preferencial para os condenados da Terra.


Esta conexão atravessa todo texto como um fio condutor. Não há verdadeira ecologia, de expressão nenhuma, seja ambiental, social, mental e seja integral, caso não resgate a humanidade humilhada dos milhões de empobrecidos de nossa história, naqueles nos quais a Terra como mãe é mais agredida e ofendida.  O Papa Francisco comparece como zeloso cuidador da Casa Comum.



Daí a questão central que a encíclica coloca é: como devemos nos relacionar com a natureza e com a Mãe Terra?

Mostra-se extremamente coerente com a marca registrada da Igreja da libertação latino-americana com sua correspondente teologia que é a opção preferencial pelos pobres, contra a pobreza e a favor da justiça social e de sua libertação.  O oposto da pobreza não é a riqueza. É a injustiça de proporções estruturais e mundiais. A forma mais adequada para enfrentar esta anti-realidade é a ecologia integral que articula “tanto o grito da Terra quanto o grito do pobre” (n.49).

A ecologia significa mais que um mero gerenciamento dos bens e serviços escassos da natureza. Ela representa um novo estilo de viver, uma arte nova de habitar diferentemente a Casa Comum de tal forma que todos possam caber nela. Não somente os humanos, o que configuraria o antropocentrismo duramente criticado pela encíclica (nn.115-121), mas todos os seres vivos e inertes, especialmente a grande comunidade de vida que sofre pesada erosão da biodiversidade por causa do predomínio da tecnocracia.

Este é um outro nome para identificar o principal causador da crise ecológica globalizada: a fúria produtivista e consumista, digamos nós, numa palavra que o Papa não usa, pelo capitalismo selvagem que visa a acumular de forma ilimitada à custa da devastação da natureza, do empobrecimento das pessoas e do risco de uma mega-catástrofe ecológico-social. Este sistema impõe a todos um comportamento, como enfatiza o Papa que “parece “suicida” (n. 55).

Esta vinculação entre o Grande Pobre (a Terra) e os pobres, como desde cedo o viram os teólogos da libertação, se justifica porque vivemos tempos de extrema urgência: a pisada ecológica da Terra foi já ultrapassada em mais de 30%.

A Terra precisa de um ano e meio para repor o que lhe subtraímos pelo nosso consumo durante um ano.       
Este dado nos coloca a questão de nossa sobrevivência coletiva. Temos que mudar se quisermos evitar o abismo. Daí a questão central que a encíclica coloca é: como devemos nos relacionar com a natureza e com a Mãe Terra? A resposta é com o cuidado, a fraternidade universal, o respeito a cada ser pois possui valor intrínseco e com a aceitação da inter-relação de todos com todos.

Neste particular, Francisco de Roma foi buscar inspiração num exemplo vivo e não teórico, em Francisco Assis. Explicitamente diz: “creio que Francisco seja um exemplo por excelência do cuidado por tudo o que é débil e de uma ecologia integral vivida com alegria e autenticidade” (n.10).

Todos os biógrafos do tempo (Celano, São Boaventura, citados pela encíclica) atestam “o terníssimo afeto que nutria para com todas as criaturas”; “dava-lhe o doce nome de irmãos e irmãs de quem adivinhava os segredos, como quem já gozava da liberdade e da glória dos filhos de Deus”. Libertava passarinhos das gaiolas, cuidava de cada animalzinho ferido e chegava pedir aos jardineiros que deixassem um cantinho livre, sem cultivá-lo, para que as ervas daninhas, ai pudessem crescer, pois todas “elas também anunciam o formosíssimo Pai de todos os seres”.

O Papa adverte que isso não é “um romanticismo irracional, porque influencia sobre as escolhas que determinam nosso comportamento” (n.11).  Se não usarmos a linguagem do encantamento, da fraternidade e da beleza em relação com o mundo, “os nossos comportamentos serão aqueles do dominador, do consumidor ou do mero desfrutador dos recursos naturais, incapaz de impôr limites a seus interesses imediatos” (n. 11)

Aqui transparece um outro modo-de-estar no mundo, diferente daquele da modernidade tecnocrática. Nesta, o ser humano está sobre as coisas como quem as possui e domina. O modo-de-estar de Francisco é colocar-se junto com elas para conviver como irmãos e irmãs em casa. Ele intuiu misticamente o que hoje sabemos por um dado de ciência: todos somos portadores do mesmo código genético de base; por isso um laço de consanguinidade nos une, fazendo-nos parentes, primos e irmãos e irmãs uns dos outros; daí a importância de nos respeitarmos e de nos amarmos mutuamente e jamais usarmos  de violência entre nós e contra os demais seres, nossos irmãos e irmãs. Esse modo de ser nos poderá abrir um caminho de superação da crise ecológica global.

* colunista do JB on Line e ecotólogo

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